quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Cinco

Perfaz agora seis anos que me divorciei desse objecto que colocamos no pulso e que através de um processo estranho faz rodar dois pequenos ponteiros que regem o nosso tempo. Mesmo quando o usava era mais no sentido estético. Hoje, perante um tempo que sei que passa de qualquer maneira, para quê controla-lo? Mesmo no caso de existir um compromisso ou uma responsabilidade basta ver que horas são para depressa fazer um cálculo mental do tempo que é necessário para chegar ao sitio pretendido. Não é por termos um relógio que vamos chegar mais depressa ou mais devagar, aliás nós já vivemos a vida numa correria constante, para quê complicar ainda mais? Porque perdemos tanto tempo a contar o tempo, quando na verdade é ele que nos vai contando, numa contagem decrescente, ou como se fosse tirando pétalas como no bem-me-quer mal-me-quer. Pode parecer irresponsável não utilizar relógio, mas encontro aqui uma pequena noção de liberdade, que me ajuda a ultrapassar a fatalidade do tempo. Dessa forma tento aproveitá-lo mais, seja em coisas importantes ou triviais, dado que ambas são importantes. E afinal de contas, para quê controlar o tempo, quando, como diz o Rui Veloso, temos todo o tempo do mundo?

Quatro

A apologia do primeiro beijo… Sim. Quem não se lembra do primeiro beijo. Uns recordam-no com um sabor quase indescritível, outros por exemplo recordam um leve ou forte sabor de álcool, outros o sabor de um cigarro bem fumado, ou um suave sabor a fruta. Recordações imensas. O local, o ambiente, a posição e mais importante a pessoa. Aliás ignorando todas as variáveis possíveis, a pessoa é sim a mais importante. Por todas essas razões que são facilmente atingíveis. Foi só um beijo, apesar de ter sido o primeiro? Ou terá sido um beijo, não por ser o primeiro, mas por ter sido com alguém verdadeiramente especial? Primeiro beijo e primeiro amor, neste caso penso que estão em jogo todos os elementos que podem fazer alguém feliz.
Recordo-me do meu. Tive essa sorte de juntar coisas boas, como podia não ter tido. Terei tempo para recordar quando for mais velho.
Em verdade penso, primeiros amores ou amores existem muitos e beijos especiais, sejam com a mesma pessoa ou com outras serão sempre, à sua peculiar maneira, especiais.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Três

Gostaria de ter acordado às dez da manhã, mas parece que passados tantos anos consegui finalmente moldar o meu relógio biológico e acordei às nove.
Se aqui estivesse a minha avó logo diria “lava a cara e benze-te”, uma filosofia pré-histórica que talvez esteja no patamar das melhores maneiras de começar o dia. Mas não. Como muita gente finjo ignorar a preguiça que me prende deitado à cama e levanto-me para logo me ir deitar no sofá. Ligo a televisão e folheio todos os canais possíveis, com os olhos semi-cerrados. Mas sem sucesso. Emigro para a secretária e tento entrar nessa grande janela de oportunidades que é a internet; com sorte encontro alguém online disposto a dar-me, do outro lado, os bons dias.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Dois

Deixo o cigarro cair do meu terceiro andar. Não sei se é de facto verdade mas disseram-me que um prédio só tem direito a elevador a partir dum quarto andar. Verdade ou não todos os dias subo cinquenta e três degraus mais do que uma vez. Não me incomoda. Dei um peso extra aos meus pais, avós e tios quando me levavam ao colo. Provavelmente gatinhei neles e ainda mais provável devo ter caído neles.
Nos dias de maior calor são um espaço fresco, nos dias de inverno, o simples facto de entrar no prédio e fechar a porta ao frio e à chuva dão-me uma alegria imensa.
Enquanto os subo dou razão à lógica humana: subir (na vida, crescer interiormente, aprender) custa sempre mas descer é fácil. É sempre mais difícil trocar as voltas à gravidade do que sujeitarmo-nos à sua leve lei que nos puxa para o chão. Essa mesma gravidade que é o forte ao ponto de unir pessoas como é suficiente forte para nos prender a acontecimentos maus.

domingo, 28 de setembro de 2008

Um

Paz de espírito. Aquilo que todos nós procuramos. De certa maneira entendo o porquê dessa vossa procura, uma procura por vezes tão louca que vos afasta em vez de vos aproximar da paz e do espírito. Também eu a procurei em tempos. Encontrei-a e vejo-me agora inundado de paz de espírito, tamanha paz de alma na qual pouco ou nada encontro de espaço para manobra.
Sempre adorei monólogos com público e no entanto aqui me encontro, na varanda da minha casa, a saborear um cigarro e a contar histórias a mim mesmo.
Sempre adorei partilhar e discutir ideias com outras pessoas, sei no entanto que mesmo enquanto falamos para outros a nossa boca serve de filtro para pensamentos só nossos, assim, reflectindo sozinho, partilho comigo um pouco de honestidade limpa.
Mas como estava eu a pensar, a paz de espírito é por muitos procurada. Existem dois géneros de paz de espírito: a morta e a viva. Ambas preenchem fases da nossa vida. A maioria das pessoas já provou o género vivo. A maioria das pessoas vive no género morto.