sábado, 27 de fevereiro de 2010

Oito

Estou no fim do lugar. Sentado à lareira, com um medo irracional que o vendaval que vive lá fora, que se move lá fora sem limites de acção destrua esta casa. É um medo sem nexo, a casa é forte, mas o vento faz-se sentir muito presente...e as árvores e tudo o que está cultivado, quer pelo homem, quer pela natureza sofre no corpo a sua força. Estou no fundo do lugar, uma terra esquecida pelo homem e por Deus, um fundo de lugar dentro de uma aldeia pequena chamada Sapateira. É engraçado de ver uma casa tão esquecida no tempo e espaço com televisões, microondas, torradeiras, computador, aquecedores...tudo obra de dois filhos e quatro netos.
Procurei paz, sossego, calma. Procurei paz interior, calma de alma, amor. Nem tudo falhou de todo. Depois de uma viagem sorridente vive a tarde mais estranha da minha vida, desafiei os meus limites frágeis físicos...E depois? Olhei em frente, molhado, triste, frustrado.
Durante horas senti na mente e no coração a frase: quando um homem mau tenta fazer algo bom...Não sou diferente dos outros. Não sou apenas tão igual. Porque todos nós temos algo que nos diferencia, que nos marca, que nos torna diferentes...
E andei e andei e andei, senti a chuva, como nunca a tinha sentido, numa batalha de titãs entre mim e o guarda-chuva, uma luta patética entre mim e o esqueiro que não suporta o vento, um turbilhão de saudades, que me prendem , como sempre, ao que deixo para trás...E dei por mim a preguejar contra esta porra do mundo, que nunca adorei e detestei tanto ao mesmo tempo. Quando dou por mim uma voz que eu conheço tão bem vai-me cantando ao ouvido, sem cessar, o mesmo de sempre:
“Let go” vezes e vezes sem conta, até acreditar, até me entregar, até me deixar ir completamente, porque perder tempo sem lutar é tempo entregue à morte, fisica e mental.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sete

A estrada de Benfica, a minha estrada de Benfica, a minha rua. Sempre gostei do que é meu, e são poucos os sítios onde me imagino a morar e viver sem ser esta peculiar rua. Conhecida por muitos a rua mais comprida de Lisboa, possivelmente de Portugal, é este um recanto onde encontro a minha paz e a minha pequena confusão, confusão essa que me faz muita falta. Gosto do campo? Adoro. Amo a cidade? Amo. Esta rua, onde vivo desde que nasci, consegue magicamente juntar o bom do campo e o bom da cidade. Aqui encontro satisfação a necessidades diárias, mensais ou anuais. Tenho uma mercearia a vinte passos da minha casa, com duas pessoas experientes nos ramos da agricultura, o Sr.José e a menina Adélia, um casal que me conhecem desde tenra idade. Um pequeno mundo de compras e de confiança, mesmo aqui. Uma barbearia que apesar de algumas obras mantém um espírito de outros tempos, onde guarda clientes habituais. Cafés também não faltam assim como uma boa padaria. Duas papelarias. Estou perto de toda a Lisboa. Nem sequer preciso de carro. Adoro andar (e adoro correr), e facilmente chego a centros comerciais onde também existem um inúmero leque de ofertas para comprar ou passar o tempo. Tenho uma linha de transportes, que razoavelmente bem satisfaz as minhas necessidades (a paragem de autocarro está literalmente à porta da minha casa). Esta é a minha rua, a minha rua lisboeta, a minha parte preferida e única da grande Lisboa. Uma rua calma, com pessoas, na sua conta certa, comércio, carros e transportes públicos, boas escolas, o meu canto.
Sempre que posso, adoro ter o prazer de mostrar às pessoas que gosto este recanto, bonito, cativante, que me recebe desde 1987. Estrada de Benfica, a minha rua. Uma das variantes que me moldou.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Seis

Voltei. Depois de mais de um ano. A minha vida mudou tanto. Estou diferente. O tempo altera a nossa perspectiva de vida, as pessoas entram na nossa vida e às vezes isso altera muita coisa. As pessoas afastam-se e isso também altera muita coisa. Percebi, que é importante reconhecer apenas, quem é de facto vital na nossa alegria, e quem não é. Temos esta vida. Independentemente de uma possível pós-morte. Temos de a agarrar. Mas como? Com quem? Como conseguirmos. Com garra, imaginação, um amor suficiente forte pela arte de viver com outros com outras coisas capaz de mover montanhas. De verdade. Com quem? Com quem nos merece, com quem vale a pena, com quem nos atura. Estou diferente. Já não sou tanto um adulto preso num corpo e imaginação de um jovem divertido. Cresci. Descobri. Descobri que existem pessoas que devem fazer parte da minha vida. De todos os géneros. Tê-las é uma enorme felicidade, ficar privado delas será inferno. Ainda são algumas...não quero estar sem elas. Nunca. São uma parte de mim, uma pequena linha da minha história. Altero-me, entre o inferno (um inferno mundano, igual ao de qualquer ser humano) e um paraíso que tarda em ficar para sempre, mas mesmo assim, sou feliz. E se estou de volta, é talvez para ficar.